Consumo excessivo de telas por crianças, cada vez mais cedo, tem atraído a atenção de especialistas. Escolas podem ser aliadas nesse desafio.
Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil revelou que mais da metade das crianças e adolescentes brasileiros usam a internet sem limitação de tempo determinada por pais ou responsáveis. Ainda de acordo com o órgão, o primeiro contato com as telas ocorre cedo – em 24% dos casos, antes dos 6 anos de idade. Uma realidade que tem atraído a atenção de famílias, escolas e de estudiosos no tema.
Para a psicóloga Juliana Guedes, as crianças passaram a depender da tecnologia para a maioria das atividades lúdicas, impactando na criatividade, no desenvolvimento motor e sensorial. “Com o eletrônico em mãos, elas ficam incapazes de descobrir o que fazer com o tédio, encontrar formas de relaxar e estar consigo mesmas. Além disso, as telas deixam o cérebro em constante demanda, tornando as crianças mais reativas e ansiosas”, destaca.
E os problemas começam cedo. Um estudo inédito publicado pela revista médica JAMA Pediatrics constatou que bebês de um ano de vida, quando expostos a mais de 4h de tempo de tela por dia, apresentaram maior dificuldade na comunicação e na habilidade de resolver problemas aos 2 e aos 4 anos de idade. O consumo de conteúdos digitais também afeta o processamento sensorial, isto é, hipersensibilidade a ruídos e luzes, por exemplo.
“Já se sabe que jogos eletrônicos e plataformas de mídia social têm provocado modificações na estrutura cerebral das crianças através da ativação de certas substâncias neuroquímicas. Algumas consequências envolvem a liberação em excesso de cortisol, estimulando uma resposta de estresse, e um anseio por níveis alarmantes de dopamina”, explica a psicóloga.
Escolas como aliadas no uso consciente de telas
O uso excessivo de telas tem gerado preocupação, também, no ambiente escolar e vem crescendo no Brasil um movimento de escolas que estão proibindo completamente o uso de celulares. No Rio de Janeiro, por exemplo, alunos da rede pública municipal não podem mais usar os aparelhos nas salas de aula – e nem mesmo durante os intervalos. Já em São Paulo, a conexão wi-fi ou via cabo bloqueia redes sociais, streamings e apps de vídeo.
Priscila Griner, diretora da Casa Escola, pondera que lidar com o consumo excessivo de telas por crianças e adolescentes é um desafio para as instituições de ensino que, especialmente durante a pandemia, precisaram equilibrar a dependência da tecnologia “sem se tornarem reféns dela”. Segundo ela, a instituição desempenha um papel crucial na supervisão e seleção cuidadosa do conteúdo digital apresentado aos alunos.
“Reconhecemos a importância das tecnologias, mas é preciso encontrar um equilíbrio. Portanto, priorizamos a seleção cuidadosa de conteúdo, com planejamento e metodologia rigorosos. Por outro lado, também proporcionamos às crianças uma ampla gama de experiências que vão além do virtual, incluindo atividades que envolvem o corpo, estímulo à criatividade, interação com a natureza e imersão na arte”, afirma a diretora.
A educadora acredita que as ferramentas tecnológicas podem ser valiosas quando utilizadas com objetivos específicos que contribuam para a formação e o crescimento dos alunos. Nesse sentido, a Casa Escola tem buscado alternativas. “Nós percebemos, por exemplo, que ler um livro de forma tradicional, com a cabeça baixa, levava as crianças e adolescentes a perderem o foco e se distraírem facilmente”, explica Priscila.
“Foi então que, no retorno às aulas presenciais pós-pandemia, começamos a utilizar as telas para projetar os conteúdos, o que gerava uma interação maior por parte dos alunos. Embora tenha sido estranho no início, essa medida simples e eficaz atraiu mais a atenção dos alunos para o material didático e, aos poucos, reintroduzimos o prazer da leitura em formato físico”, completa a diretora.